A GRANDE JOGADA
Primeiro é preciso esclarecer que os dois jogadores são tão “insignes” que os familiares resolveram chamá-los de “Gugu” e “Gagá”. Talvez porque um é alourado e o outro um macróbio de sessenta e poucos anos. Todavia, ambos afirmam que as “alcunhas” são devido a uma variação feita com as sílabas de “Guga”, o grande jogador brasileiro do desporto.
Mas voltando às partidas, pode-se afirmar que a “coisa” é simplesmente “fenomenal”. Comumente, acontece de tudo durante o jogo... O impossível de ocorrer é useiro e vezeiro de acontecer... É bola que fica presa na rede... É bola que pára equilibrada no suporte do alambrado... É bola que passa pela forquilha da raquete... Enfim, o que ocorre nas jogadas é coisa de outro mundo. Só vendo para acreditar.
Até a contagem do “game” é diferente da usual. Lucas como é bem mais jovem que o seu contendor, para não perder o “adversário”, vez por outra diz que a partida está empatada em cinquenta a cinquenta, e, aí as vantagens são repassadas quase que “infinitamente”.
Em meio a esses acontecimentos, o que mais se constata é uma alegria sem tamanho que ultrapassa os limites da diversão.
Todas as terças e quintas-feiras, às oito horas da manhã, o espetáculo começa e pode ser assistido gratuitamente com o privilégio de apreciar ocorrências indescritíveis, capazes até mesmo de envolver pessoas que nada têm a ver com o jogo.
Na semana passada, a partida estava quase terminando quando Lucas lançou um tremendo petardo pra cima de Cézar. Este, acreditando ainda estar no auge se sua vitalidade, resolveu contra-atacar com um “golpe dos grandes vituosos” e soltou o braço, buscando devolver a bolinha com idêntica intensidade. A força foi descomunal... e o impacto tão grande, que parecia um “traque de velha” (aquela bombinha usada nas festas juninas) estourando. Só que a bola, ao invés de tocar o centro das tramas da raquete, pegou bem no beiral, tirando o “instrumento de trabalho” da mão de Cézar, fazendo, em seguida, uma trajetória por cima do alambrado para fora da quadra.
O jogador mais jovem, que observava atentamente o que se passara, reparou que a bolinha, após ultrapassar o aramado da quadra, havia quicado na calçada indo se alojar dentro da saca de compras de uma senhora que, naquele instante, passava por ali.
Lucas retornou à quadra, meio desapontado, e comentou com o parceiro de jogo a resposta grosseira que havia recebido.O velho companheiro contemporizou a frustração e disse-lhe, sem qualquer outra pretensão: “Não tem importância, nós ainda temos duas bolinhas”... dá bem pra continuar o jogo.
A emoção, que já não era pequena, tornou-se mais forte ainda. Mariza, a filha caçula, olhou para a mãe e, como se tivesse recebido consentimento, perguntou ao garoto se ele gostaria de morar com eles.
O menino suspirou profundamente. Um sorriso mais lindo ainda surgiu em sua boquinha, mas, não disse nada. Passaram-se “longos segundos” para que ele, sussurrando respondesse: “Posso?”
Mariza voltou a falar: “Se seus pais deixarem, a gente vai dar um jeito...Tá bem?”
- “Mas, eu num tenho pai não... Eu num tenho ninguém. Dispois que mamãe morreu, eu vivu sozinho ai pelas rua”.
Um abraço muito carinhoso selou a futura adoção.
- “Então, se você quer ficar com a gente, primeiro nós precisamos saber o seu nome”, disse dona Felícia. E o pobrezinho, sorrindo, respondeu: “Jesus... Eu mi chamu Jesus”.